André Martins é investigador na Unbabel, professor auxiliar convidado no Instituto Superior Técnico e membro do Instituto de Telecomunicações. É um dos co-fundadores e organizadores da Lisbon Machine Learning Summer School (LxMLS). Em 2012, obteve o doutoramento dual em "Language Technologies" na Universidade de Carnegie Mellon e no Instituto Superior Técnico. Os seus interesses actuais de investigação incluem o processamento de linguagem natural, a tradução automática e a aprendizagem estatística. Obteve o prémio de melhor artigo no Annual Meeting of the Association for Computational Linguistics (ACL) pelo seu trabalho na sintaxe de linguagem natural. A sua dissertação de doutoramento foi galardoada com o prémio científico IBM em 2012 e com uma menção honrosa na School of Computer Science da Universidade de Carnegie Mellon.
Título: Utopia, Tradução Automática e Inteligência Artificial
Resumo:
Tal como a literatura utópica, também a Ciência recorre a representações idealizadas do mundo real: os modelos científicos. Como sintetizado na célebre frase "All models are wrong but some are useful", os modelos científicos são aproximações simplistas, mais ou menos grosseiras, assentando em suposições erradas -- no entanto, são instrumentos fundamentais para poder compreender o mundo real.
Para ilustrar este ponto, vou abordar o problema da tradução automática, cujo objectivo -- utópico! -- é o de construir uma máquina capaz de traduzir entre quaisquer línguas, possibilitando a comunicação fluente entre indivíduos de diferentes nacionalidades. Se esta máquina existisse em 1516, poderíamos imaginar o português Raphael Hithlodaeus descrevendo na sua língua nativa a ilha de Utopia ao seu interlocutor Thomas More, que o escutaria em Inglês. Em 1947, Warren Weaver e Claude Shannon introduziram o "modelo do canal ruidoso", que permaneceu durante mais de 60 anos como o modelo dominante na tradução automática estatística.
Também a ficção científica e a Inteligência Artificial têm uma relação interessante. Em "2001, Uma Odisseia no Espaço", o computador HAL 9000 exibe faculdades comparáveis aos humanos, sendo capaz de compreender e falar a nossa linguagem, de elaborar estratégias para resolver problemas, de recolher dados interagindo com o ambiente exterior e de tomar decisões com base nestes dados. Este computador é o retrato do optimismo que se seguiu à conferência de Dartmouth em 1956, a qual marcou o início da Inteligência Artificial enquanto área de investigação científica. Hoje, décadas depois e superados vários invernos, assistimos novamente a importantes avanços científicos e à sua materialização em tecnologias que se vão "entranhando" nas nossas vidas: desde os vulgares filtros de spam até aos veículos autónomos, passando pelos assistentes pessoais digitais e por máquinas capazes de derrotar campeões humanos em jogos complexos como o Go. Todos estes sistemas empregam técnicas de aprendizagem automática ("machine learning"), aprendendo a partir de grandes quantidades de dados e aperfeiçoando o seu desempenho com a experiência.
Porém, como sabemos, o HAL 9000 teve um fim trágico, e a incapacidade do Homem em controlar o avanço tecnológico é um tema recorrente em muitas distopias. Alguns cientistas, como Stephen Hawking, vêem na Inteligência Artificial o maior perigo para a sobrevivência da espécie humana. Serão estes alarmismos justificados? Que perigos estão iminentes?